domingo, 21 de fevereiro de 2010

Vai, menina!


Naquele dia não amanheceu como de costume. A noite se estendeu além do que se esperava, parecia que o sol havia perdido sua auto estima, sua confiança e dera lugar à sombra , ao improvável, à incerteza .


Dentro daquela escuridão, todas as dúvidas pairavam. Os medos esquecidos, para que a vida fosse tocada a cada dia como quem economiza, para gastar somente com o indispensável, eram colocados em liquidação para quem quisesse ou não tivesse mais o que fazer nessa grande demanda que é a vida.


Era preciso ter coragem, não havia escolha. O tempo passava, ele poderia ser uma triste testemunha de um momento sem decisão alguma ou um grande torcedor no final do campeonato, ansioso, aflito, mas esperançoso, que sofre horrores, mas sabe - “de virada é melhor!”


A menina estava lá, no escuro. Ela juntava seus pertences e tentava organizar do jeito que dava, catando coisas como quem monta um quebra cabeça. Seguia resoluta, precisava continuar. Havia perdido algumas coisas pelo caminho, mas sabia que um dia encontraria em algum lugar.


- De pressa, ande logo!


A vida exigia.


-Corre, mais rápido!


O tempo era carrasco.


Ela sem parar organizava seus pensamentos e projetava-se para o futuro. Iria valer a pena . Organizava suas coisinhas, objetos, pequenos fragmentos de seu universo. Junta, pensa, junta, corre, ri e chora.


O tempo, naquele instante, torcia por ela como no último minuto do segundo tempo, mas ele acreditava.


- Vai, menina!


Ela seguia, corria, voava.
Sabia que chegar era necessário. Sabia rir do medo, sabia rir de si.


O tempo, agora seu amigo, sabe esperar por ela. A menina, ainda voa, mas agora vai onde quer.

sábado, 7 de novembro de 2009




“Não fala que eu choro em casa.”

O meu compromisso para aquele sábado já estava determinado. Levar as crianças a uma festinha de aniversário . A preparação psicológica iniciou-se desde que abri os olhos, no começo da manhã. Não tinha muita certeza se a decisão de ir tinha sido a melhor, mas sabia que as crianças contavam muito com a festinha num Buffet infantil. Muitos brinquedos eletrônicos, muitos doces, música de qualidade duvidosa e principalmente, a namoradinha do Thales, que era a aniversariante.


Fui comunicada por ele com um mês de antecedência, firmei minha palavra, ele iria. A ansiedade tomou conta do projeto de homem, fazia planos, pensava nos detalhes. Lembrou-me insistentemente de que ela era sua namorada.


Enfim, estávamos prontos para o momento mais importante da sua história amorosa. Eu ria por dentro e achava o máximo ver o piá fazendo-me recomendações, ao mesmo tempo tentava imaginar o que poderia fazer nas quatro horas intermináveis em que eu estaria sentada numa cadeira, me empanturrando de coxinhas, ouvindo “ cada um no seu quadrado”, sem conhecer ninguém e esperando ansiosamente pelo “parabéns”.


Foi então que o pequeno infante do alto dos seus quatro anos soltou a última recomendação: “Mãe não conta pra ela que eu choro em casa!” Eu respondi com uma pergunta como se não soubesse a resposta, querendo enriquecer a capacidade de argumentação do menino. “ Por que não posso contar que você chora em casa?” “- Ela não vai mais gostar de mim.”


Entendi como desde cedo somos levados a julgar mais importante o que pensam de nós do que aquilo que somos de fato.
Chorar não é uma fraqueza, é entender nossa humanidade. O motivo é o que menos importa. Depois de um choro, somos transformados, somos aquietados na agonia que é viver. Mais que isso, o choro é a capacidade de descobrir-se .

sábado, 24 de outubro de 2009

A mesa da sala

Dá até um nervoso só de pensar nessa mesa.
Eu tinha uma mesa que me acompanhava há anos, madeira, alguns lugares a mais para os amigos, era modesta e servia bem o seu propósito. Compramos em Curitiba, o modelo alemão que tinha uma curva no canto, era diferente e tinha um certo jeito que parecia com a gente.
Muitos momentos vivemos ao redor daquela mesa. Risadas, choros, surpresas, aniversários, tortas mal feitas, sopas de cebola, cantorias, lições de casa, tudo que pedisse mais de uma pessoa estava necessariamente naquela mesa.

Foi levada por muitas casas, transferida pelos cantos da sala, sofreu grandes atentados, foi reformada e por fim injustiçada.
A verdade é que eu não aguentava mais aquela mesa.
Não sei se treslocadamente, inconscientemente transferi minhas inconformações e agonias para a coitada da mesa. Eu olhava para a mesa e imediatamente começava a falar mal da vida.
Ela era a materialização do meu "não querer nada".

Enfim, tive em minhas mãos a oportunidade de livrar-me do grande incômodo que estava plantado no meio da sala. Eu iria comprar uma mesa nova.
Cálculos para encaixar a prestação no orçamento, planos para jantares com amigos, reserva do melhor lugar na sala para aquela que seria a grande atração da casa nos próximos anos.
O plano estava feito. Era só comprar.

Idas e vindas nas lojas, procuramos a lindinha que novamente tivesse a "nossa cara". Eu iria ficar tão feliz que nem pensaria mais nos problemas.

Pronto! Mesa chique na sala da minha casa. Agora sim! Temos o cenário perfeito para momentos felizes.

A mesa estava lá. Como um monumento, como algo sagrado, intocável.
Aquele objeto que antes de existir trazia tanta euforia, era a indiferença quadrada acompanhada de oito carrancas que a protegiam de qualquer engraçadinho que ousasse se aproximar.
As sensações que se seguiram foram as mais inesperadas, sentimentos complexos cercavam a mesa. A expectativa de comer sentado numa bela mesa formava fantasias de festas de natal, encontros com amigos e jantares românticos.
A mesa, indiferente, avisava a todo instante que era bonita demais para ser badalada, que era chique demais para permitir crianças, que era cara demais para ser estragada.
Eu me alimentava de medo quando olhava para a mesa, saia de fininho com o prato na mão e conformada voltava para a cozinha, que abrigava uma velha mesa comprada num mercado de pulgas da mesma cidade onde comprara a mesa odiada.

Ao menor esboço de desejo de sentar à mesa da sala, qualquer um era prontamente desestimulado com um bombardeio de razões pelas quais não se poderia usá-la.
Comecei a ter uma saudade estranha da mesa que já estava longe, havia sido doada. Ela tinha uma história de dar inveja a qualquer mesa. Era acolhedora, convidativa e acima de tudo, permitia a todos. A gente podia chegar cansado, deprimido, gargalhando, com lápis e papel, com o belo tinto, com todas as crianças do mundo, com o caldo do feijão, de qualquer jeito, ela recebia com um sorriso. Ela tinha história. Uma vasta experiência, parecia mesmo uma gratidão.
Era parte de nós.

A nova, prestações pagas, ainda não consegui fazer uma refeição. Um dia ela desencanta e desiste de ser bonita para ter uma história.

Quando fala o Coração

Pensei uma maneira que traduzisse os sentimentos, nem sempre tão claros, muitas vezes confusos e complexos. Sem nunhuma pretensão de ser entendida, mas de externar o que via de regra fica no âmbito da individualidade.
Dessa forma, a mais corajosa, a escrita, coloco-me despida de medos, censuras e mais o que estiver na lista de coisas que amarram a vida da gente.