sábado, 24 de outubro de 2009

A mesa da sala

Dá até um nervoso só de pensar nessa mesa.
Eu tinha uma mesa que me acompanhava há anos, madeira, alguns lugares a mais para os amigos, era modesta e servia bem o seu propósito. Compramos em Curitiba, o modelo alemão que tinha uma curva no canto, era diferente e tinha um certo jeito que parecia com a gente.
Muitos momentos vivemos ao redor daquela mesa. Risadas, choros, surpresas, aniversários, tortas mal feitas, sopas de cebola, cantorias, lições de casa, tudo que pedisse mais de uma pessoa estava necessariamente naquela mesa.

Foi levada por muitas casas, transferida pelos cantos da sala, sofreu grandes atentados, foi reformada e por fim injustiçada.
A verdade é que eu não aguentava mais aquela mesa.
Não sei se treslocadamente, inconscientemente transferi minhas inconformações e agonias para a coitada da mesa. Eu olhava para a mesa e imediatamente começava a falar mal da vida.
Ela era a materialização do meu "não querer nada".

Enfim, tive em minhas mãos a oportunidade de livrar-me do grande incômodo que estava plantado no meio da sala. Eu iria comprar uma mesa nova.
Cálculos para encaixar a prestação no orçamento, planos para jantares com amigos, reserva do melhor lugar na sala para aquela que seria a grande atração da casa nos próximos anos.
O plano estava feito. Era só comprar.

Idas e vindas nas lojas, procuramos a lindinha que novamente tivesse a "nossa cara". Eu iria ficar tão feliz que nem pensaria mais nos problemas.

Pronto! Mesa chique na sala da minha casa. Agora sim! Temos o cenário perfeito para momentos felizes.

A mesa estava lá. Como um monumento, como algo sagrado, intocável.
Aquele objeto que antes de existir trazia tanta euforia, era a indiferença quadrada acompanhada de oito carrancas que a protegiam de qualquer engraçadinho que ousasse se aproximar.
As sensações que se seguiram foram as mais inesperadas, sentimentos complexos cercavam a mesa. A expectativa de comer sentado numa bela mesa formava fantasias de festas de natal, encontros com amigos e jantares românticos.
A mesa, indiferente, avisava a todo instante que era bonita demais para ser badalada, que era chique demais para permitir crianças, que era cara demais para ser estragada.
Eu me alimentava de medo quando olhava para a mesa, saia de fininho com o prato na mão e conformada voltava para a cozinha, que abrigava uma velha mesa comprada num mercado de pulgas da mesma cidade onde comprara a mesa odiada.

Ao menor esboço de desejo de sentar à mesa da sala, qualquer um era prontamente desestimulado com um bombardeio de razões pelas quais não se poderia usá-la.
Comecei a ter uma saudade estranha da mesa que já estava longe, havia sido doada. Ela tinha uma história de dar inveja a qualquer mesa. Era acolhedora, convidativa e acima de tudo, permitia a todos. A gente podia chegar cansado, deprimido, gargalhando, com lápis e papel, com o belo tinto, com todas as crianças do mundo, com o caldo do feijão, de qualquer jeito, ela recebia com um sorriso. Ela tinha história. Uma vasta experiência, parecia mesmo uma gratidão.
Era parte de nós.

A nova, prestações pagas, ainda não consegui fazer uma refeição. Um dia ela desencanta e desiste de ser bonita para ter uma história.

Quando fala o Coração

Pensei uma maneira que traduzisse os sentimentos, nem sempre tão claros, muitas vezes confusos e complexos. Sem nunhuma pretensão de ser entendida, mas de externar o que via de regra fica no âmbito da individualidade.
Dessa forma, a mais corajosa, a escrita, coloco-me despida de medos, censuras e mais o que estiver na lista de coisas que amarram a vida da gente.